A cada 25 empresas do segmento de sorvetes no Brasil, uma é cearense. São mais de 100 representantes que fabricam e vendem o próprio produto, com sede principalmente em Fortaleza e Região Metropolitana. Segundo dados do Sindicato das Indústrias de Sorvetes do Estado do Ceará (Sindsorvetes), a cadeia produtiva do sorvete no Ceará gera mais de 1,2 mil empregos diretos e quase 6,4 mil empregos indiretos.
De pote ou no palito, gelato ou açaí, opções não faltam na capital cearense para o doce refresco. Mas com tantos nomes consolidados, o que fomenta tamanha prosperidade em um ambiente tão concorrido?
Parte desse mérito pode ser atribuído ao calor duradouro da Terra do Sol, que naturalmente intensifica a procura. Segundo a Associação Brasileira das Indústrias e do Setor de Sorvete (ABIS), o Nordeste é responsável por 19% de todo o consumo de gelados comestíveis do País, perdendo apenas para o Sudeste, que agrega mais da metade do consumo nacional, com 52%.
Os noivos Irla e Matheus, por exemplo, costumam sair para tomar uma delícia gelada de uma a duas vezes por mês. “Gostamos de tomar sorvete como sobremesa, quando estamos no shopping ou perto de alguma sorveteria que a gente gosta”, conta a professora de inglês.
Das marcas favoritas, o casal cita cinco. Apesar desse número mostrar que há muito espaço no coração dos clientes de Fortaleza, eles também são criteriosos. “O que nos fideliza com certeza é o sabor e a qualidade do sorvete. Mas logo em seguida vem o atendimento”, Irla complementa.
Diferenciação é chave
Na busca pela atenção dos consumidores, entram estratégias de marketing e, principalmente, de diferenciação dos produtos. Nos últimos anos, o crescimento do consumo no Ceará tem inspirado avanços no setor, que passou a trabalhar com uma variedade de sabores inovadores, como produtos sem açúcar, sem lactose e até mesmo veganos.
A Selecto Ice surgiu em 2013 com uma produção voltada para a qualidade dos sorvetes, atendendo a uma necessidade do mercado de produtos gourmet que ainda não tinha tanta presença na época. Então, a empresa começou a desenvolver produtos que não levassem certos elementos em sua composição, como glúten, saborizadores ou conservantes.
“A gente conseguiu entrar nesse nicho por ter essa diferença. Por exemplo, o nosso produto de chocolate belga não usa um saborizante de chocolate belga. A gente pega um chocolate importado, derrete e põe na calda de sorvete. No nosso sorvete de queijo com goiabada a gente usa pedacinhos de queijo coalho com a goiabada. Então hoje esse é o nosso grande diferencial no mercado frente a outras empresas”, destaca Caroline Cardoso, diretora da marca.
Alçando voos ainda maiores
As grandes marcas cearenses de sorvetes e açaís, além de dominarem o mercado local e nordestino, também alcançam praças importantes em outras regiões do país. A Selecto Ice, por exemplo, possui distribuição não só no Ceará, como também no Rio Grande do Norte, Pernambuco, Maranhão e Piauí. A distribuição em São Paulo também está em vias de ser reativada.
Algumas marcas também já estão trabalhando para começar a ocupar freezers para além das fronteiras nacionais. Segundo relatório do Observatório da Indústria, feito a partir de dados do Ministério da Economia, foram exportados US$ 7.677 em sorvetes a partir de Fortaleza no ano de 2022, ou seja, cerca de R$ 38,5 mil.
Um exemplo recente de exportação é o case da Maria Pitanga Açaiteria, que abriu, no último mês de setembro, uma franquia da sua loja na cidade de Albufeira, em Portugal. A empresa cearense também pensa em expandir o mercado internacional para o restante da Europa e Estados Unidos.
Esse também é o caso da Pardal, fundada em 1990 por Joselma Oliveira. Paraibana de Picuí, ela pediu à sua madrinha que ensinasse sua receita de picolés para contribuir com as despesas da casa. Inicialmente vendido na feira livre de Currais Novos, no Rio Grande do Norte, o produto conquistou uma clientela fiel.
Trinta anos depois, a empresa já tem distribuição em todo o Ceará e em uma pequena parte do Rio Grande do Norte, como Mossoró e cidades próximas. As ambições, porém, vão muito além do Nordeste: no final de maio, Joselma Oliveira esteve em visita a Portugal para organizar a exportação dos produtos da marca para terras lusitanas.
Hoje, a matriarca trabalha ao lado dos quatro filhos, dentre eles Helena Oliveira, gerente de marketing da Pardal. A herdeira explica que a empresa atualmente passa por um processo de sucessão. “Nós acreditamos muito no futuro da empresa, no trabalho que fazemos, e acreditamos que ela tem um potencial de ser muito maior do que já é hoje”, finaliza.
Concorrência amigável
É possível perceber, acompanhando as dinâmicas de gestão e concorrência dentro do setor de gelados comestíveis, que a qualidade do povo cearense de ser caloroso e acolhedor também pode se aplicar em um contexto empresarial. As marcas com que falamos enfatizaram que a concorrência não é um problema, muito pelo contrário.
“Ter outras empresas no mercado nunca vai atrapalhar, porque a gente sempre tem que trabalhar pra ter diferencial e isso motiva. Se nós não tivéssemos nenhum concorrente, poderíamos ficar numa posição estagnada. Então você sempre está inovando, estudando, pesquisando por algo novo, se perguntando o que pode fazer de melhor dentro da empresa para ser diferente do mercado”, avalia Caroline Cardoso, diretora da Selecto Ice.
“Nós lidamos muito bem com a concorrência. Na verdade, até gostamos da concorrência, porque ela nos faz sempre melhorar os nossos processos. E assim como a minha mãe sempre passou pra gente, no mercado há espaço para todo mundo e o que fazemos para nos diferenciar é justamente procurar sempre melhorar os nossos produtos, melhorar os nossos serviços”, explica Helena Oliveira, diretora de marketing da Pardal.
Força sindical
Contribuindo para essa competição saudável, de forma pioneira no país, uma entidade assume a responsabilidade por representar coletivamente os empresários do setor: o Sindicato das Indústrias de Sorvetes do Estado do Ceará (Sindsorvetes). Na visão de quem integra o sindicato, a organização cria um ambiente amigável de ajuda e incentivo mútuos entre os produtores.
Caroline Cardoso, que também é vice-presidente financeira do SindSorvetes, explica que os empresários se unem por meio das feiras, grupos, reuniões mensais e discussões sobre legislação e inovações de mercado. Para ela, esse apoio faz com que o mercado cearense seja atrativo e se fortaleça.
Atuando dentro da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec), o Sindsorvetes defende os interesses do setor e oferece suporte para que as empresas associadas possam se fortalecer e desenvolver, incentivando a participação das marcas em feiras nacionais e internacionais, realizando visitas técnicas às sedes, e fornecendo assessoria jurídica e capacitações.
“Eu acredito muito nessa força do sindicato junto às indústrias para fazer essa diferença no nosso mercado. Você não consegue contar nos dedos a quantidade de indústrias que nós temos hoje aqui, e todas são grandes, cada uma com o seu corte, com o seu diferencial. Mas realmente nós somos do Nordeste, nós somos o berço”, finaliza a empresária.