Uma equipe da Universidade Federal do Ceará (UFC) fez com que o Theatro José de Alencar, considerado o equipamento histórico mais importante do Estado, se tornasse o primeiro do Brasil a ter seu patrimônio cultural digitalizado em alta precisão. A modelagem em 3D, para além de uma reprodução realista de edifícios — muito útil na criação de visitas virtuais, por exemplo — também se mostrou uma ferramenta que pode fazer toda a diferença na preservação de monumentos e locais históricos.
Em Veneza, por exemplo, que afunda um pouco mais a cada dia e pode se tornar inabitável por volta do ano 2100, especialistas chegaram à conclusão de que a preservação do delicado patrimônio cultural da cidade italiana passava por criar um modelo em 3D de alta precisão de toda a ilha.
No ano passado, o projeto Backup Ukraine, da Unesco, usou escaneamento digital e modelagem 3D para fazer cópias digitais de patrimônios culturais ucranianos, que no momento eram colocados em grande risco a partir da invasão russa. Nessa iniciativa, qualquer residente com um smartphone pôde ajudar no escaneamento de prédios e objetos.
Mesmo em condições normais de existência, patrimônios históricos estão naturalmente sujeitos à decadência física. Com a modelagem em 3D, informações precisas da estrutura, composição e utilização de monumentos podem ser registradas e guardadas para a posteridade. É a modernidade correndo ao auxílio da antiguidade.
Apesar de não estar sob nenhuma ameaça de guerra ou desastre ambiental, o Theatro José de Alencar, localizado no Centro de Fortaleza, agora conta com uma moderna documentação que poderá ser usada para futuros projetos de manutenção e restauro, além de permitir uma visitação virtual completa do edifício, já disponível para o público.
Escanear e modelar
Inserida no escopo do projeto Inovação e Tecnologia para o Patrimônio Cultural do Ceará, vinculado ao programa Cientista-Chefe de Cultura, do Governo do Estado, a ação contou com um investimento, em sua primeira etapa, de R$ 540 mil provenientes da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FUNCAP).
O trabalho envolveu professores e alunos dos cursos de Engenharia Civil e de Ciência da Computação, ambos do Campus da UFC em Russas, além de professores e alunos do Departamento de Arquitetura e Urbanismo e Design, em Fortaleza. Juntos, eles fizeram um levantamento tridimensional de toda a sua estrutura, usando técnicas de última geração.
Esequiel Mesquita, professor do Campus de Russas e responsável pelo projeto, explica que essa formação multidisciplinar “surge das próprias demandas do projeto, que requer uma visão tanto do ponto de vista tecnológico, quanto do ponto de vista da engenharia, da arquitetura, da antropologia, do direito…”. Segundo ele, era importante ter uma gama de conhecimento não só para a criação desses dados, mas também para que eles fossem disponibilizados ao público de maneira prática e dentro das legislações pertinentes.
O Theatro José de Alencar foi um laboratório ideal para o uso das técnicas de modelagem 3D de precisão não só por conta da sua importância dentro do patrimônio histórico do Estado, mas também por ser uma estrutura bem trabalhada, cheia de detalhes e adornos, e com complexidades arquitetônicas que seriam dificuldades a serem superadas pela equipe.
Precisão é a chave
O trabalho desenvolvido no Theatro José de Alencar é a representação mais precisa já elaborada para equipamentos históricos do Ceará. O modelo baseado em nuvens de pontos, feito a partir de diversas técnicas de escaneamento do prédio — inclusive com a ajuda de drones, possui uma precisão de cerca de 2 milímetros, o que é considerado de extrema exatidão.
Quanto mais detalhes e quanto mais precisos eles forem, mais fácil será qualquer tipo de intervenção ou restauração feita na estrutura. Segundo o professor, a preocupação da equipe com a precisão “é muito mais com a salvaguarda das informações para intervenções, para recomposições, para manutenções futuras, do que propriamente só uma questão de visualização”.
“Nesses modelos tridimensionais você agrega informações da composição dos materiais, de intervenções realizadas, dos próprios usos… Você consegue também documentar e simular, por exemplo, a performance energética, a performance térmica desses elementos, te dando subsídios para uma intervenção mais eficiente até do ponto de vista da sustentabilidade. Então é de fato um trabalho pioneiro nesse sentido”, completa.
Esse método de digitalização com precisão, que já é usado em outros países, foi aplicado ao projeto cearense tendo como referência a Itália, que tem digitalizado seu patrimônio cultural. A equipe tem inclusive uma estreita colaboração com a Universidade de Florença nesse aspecto de digitalização, trocando técnicas e desenvolvendo ferramentas de automação.
Documenta CE
O projeto entrega, de modo geral, três produtos finais: os dados escaneados em alta precisão, em um modelo de documentação que fica restrito à Secretaria da Cultura do Ceará; a modelagem em 3D na formatação BIM, atendendo ao que determina a nova Lei de Licitações; e os modelos de visita guiada tridimensional, que estão disponíveis para livre acesso da população no site Documenta CE.
—-> Acesse aqui a visita virtual em 3D do Theatro José de Alencar.
Lá também é possível encontrar a lista de alguns equipamentos culturais que já foram digitalizados pelo projeto e que estão disponíveis para visitação pública virtual, como por exemplo o Sobrado Doutor José Lourenço, o Museu da Imagem do Som, a Estação das Artes, a Pinacoteca, a Biblioteca Pública, a Escola de Artes e a Escola de Gastronomia.
“Agora nessa segunda fase nós vamos adentrar o interior do Estado, indo pra Aracati, Icó, Viçosa… Vamos fazer a digitalização de algumas construções históricas dessas cidades e também, indo na linha do patrimônio natural, que está englobada no nosso planejamento, a digitalização da gruta de Ubajara”, finaliza o coordenador.