Há cerca de 20 dias, Diones Ferreira pôde experimentar pela segunda vez a alegria da paternidade. O autônomo do ramo de banho e tosa de animais, que já é pai de uma menina de 9 anos, viu sua rotina se transformar novamente com a chegada do pequeno Bernardo à família.
“Cuidamos do bebê em conjunto, mas isso acaba afetando minha agenda de trabalho dia após dia. Tive que abrir mão de alguns atendimentos para dar esse apoio em casa”, explica o autônomo. Segundo ele, foi um alívio nas atividades profissionais, porém, em casa, o trabalho é maior. “Mas ressalto que é gratificante”, brinca.
Está cada vez mais claro para a sociedade que a tarefa cansativa de cuidar de um recém-nascido não recai somente à mãe. Sendo assim, como ainda não é regulamentado em lei o direito aos pais de poder não só aproveitar a paternidade, com exercê-la apropriadamente nos primeiros dias após a chegada de uma criança?
“Chega ao ponto de afetar o trabalho em questão de ter essa rotina de noite e madrugada ajudando a esposa a cuidar do bebê, no dia seguinte você está cansado, daí não consegue começar o trabalho na hora certa e chega até a não ir trabalhar de tão cansado pelas noites de sono interrompidas”, Diones relata.
A Constituição Brasileira garante cinco dias de licença paternidade aos trabalhadores formais, “até que a lei venha a disciplinar” o direito. Desde a outorga em 1988, porém, o Congresso Nacional nunca regulamentou o benefício. As mães com carteira assinada, por outro lado, recebem 120 dias de afastamento remunerado.
Pelo entendimento da maioria, já passou da hora de o tema ser melhor regulamentado, de modo a equiparar os direitos da licença paternidade e maternidade. Para muitos, trata-se de um medida que não só promove a igualdade de gênero, como incentiva a participação dos pais na criação e cuidado dos filhos.
Em abril deste ano, a Câmara dos Deputados criou um grupo de trabalho formado por parlamentares de diferentes partidos, entidades da sociedade civil organizada, representantes do empresariado e representantes de órgãos públicos para debater o assunto e elaborar uma proposta para tramitação legislativa.
Em paralelo, no mês de junho, teve início no Supremo Tribunal Federal (STF) um julgamento sobre a omissão do Congresso para legislar sobre a licença-paternidade. A análise no plenário virtual seria concluída nesta segunda-feira (7), mas um pedido de vista da presidente do STF, ministra Rosa Weber, interrompeu o julgamento. Ainda não há previsão para que o assunto volte à pauta.
Como pensam os ministros?
O julgamento no STF foi interrompido já com maioria de seis votos favoráveis a que o Supremo declare a omissão do Congresso. Esse tipo de decisão costuma estabelecer um prazo para os parlamentares deliberarem sobre a questão, bem como as consequências pelo descumprimento. Nesses pontos ainda não há maioria formada.
Para o ministro Luís Roberto Barroso, “a radical diferença entre os prazos atuais das licenças-maternidade e paternidade produz impactos negativos e desproporcionais sobre a igualdade de gênero e sobre os direitos das crianças”. Ele acrescentou ser preciso “combater o estereótipo socialmente enraizado de que o cuidado com os filhos é um dever da mulher e não uma responsabilidade igualmente compartilhada entre os genitores”.
O ministro Dias Toffoli frisou as transformações na sociedade desde 1988 e que é tempo de o Congresso evoluir em relação ao prazo transitório de cinco dias para a licença paternidade. “O exíguo prazo de 5 dias para o gozo da licença-paternidade não mais se compatibiliza com a realidade das famílias brasileiras, sob diversos aspectos, visto que a ideia de família não é mais a mesma que existia em 1988”, escreveu Toffoli.
Ao menos quatro ministros — Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli e Gilmar Mendes — concordam com o prazo de 18 meses para que o Congresso legisle sobre a licença-paternidade.