No dia 18 de outubro é celebrado o Dia do Médico. Neste ano, a comemoração vem acompanhada de um clima de discordância por parte da comunidade médica em torno da abertura de novos cursos de medicina anunciados em edital pelo Governo Federal. “Não é com mais faculdades de medicina que o Brasil vai ampliar a cobertura de atendimento médico e fixar o médico no interior ocupando os vazios assistenciais”, disse em nota nas redes sociais o Conselho Regional de Medicina do Ceará.
No início deste mês, os Ministérios da Educação e da Saúde anunciaram um edital de chamamento público para abertura de novos cursos de medicina no Brasil. Na prática, o documento prevê a abertura de cerca de 95 novos cursos de medicina com abrangência nacional, sendo disponibilizadas 5.700 vagas, em 1.719 municípios. O Ceará foi contemplado com dez novos cursos, sendo o quarto estado agraciado com o maior número de vagas, 600.
“Além de formar novos profissionais, o edital ajuda a movimentar a economia dos nossos municípios”, comemorou o governador Elmano de Freitas (PT), que classificou a novidade como “excelente notícia”.
Segundo a ministra da Saúde Nísia Trindade “o objetivo desse trabalho é retomar todo um processo da lei do Mais Médicos de 2013 que visava atender um desafio histórico, que eu remontaria ao século 19 no Brasil, o fato de a maioria da população brasileira não ter acesso ao profissional médico. Essa realidade vem mudando”, disse no evento de lançamento do edital.
Trindade destacou ainda que, desde 2016, houve um período de retrocesso nas políticas de formação médica voltadas à necessidade social.
Discordância
Uma coalizão local endossa a tese do Conselho Federal de Medicina e repudia a abertura “indiscriminada das novas escolas”. O grupo é formado pelos Conselho Regional de Medicina do Ceará, Sindicatos dos Médicos do Ceará, Associação Médica Cearense e Academia Cearense de Medicina.
Ao apoiar a entidade federal, a coalizão cearense afirma, em nota publicada esta semana nas redes sociais, que a população não pode ser enganada com a ideia “equivocada” e “perigosa” de que aumentando de forma absurda o número de médicos formados a cada ano no país haja segurança à assistência médica e aos cidadãos brasileiros. “Na verdade, tal política expõe a vida dos brasileiros ao risco de atendimento por profissionais sem formação adequada”, finaliza.
Letícia Timbó, estudante de medicina na Universidade de Fortaleza (Unifor), enxerga muitos pontos negativos na abertura dos novos cursos. “Acho que o principal é a questão da qualificação dos médicos, porque querendo ou não é um curso que está tratando da vida das pessoas, o processo de saúde e doença. Então, faz sentido ser um curso mais difícil de entrar porque a responsabilidade é muito grande”, considera.
Ela cita ainda o internato, que são os dois últimos anos do curso da graduação. “Muitas faculdades não têm vagas para os alunos fazerem o internato, que é para rodar nos hospitais, em postos de saúde, em diversos setores. E abrir mais cursos diminuiu ainda mais as vagas”, diz.
A estudante considera “muito coerente” a posição dos conselhos porque, na visão dela, já existe um número muito grande de vagas ofertadas. “De faculdades que você não sabe a procedência, não sabe a qualidade do ensino, não consegue avaliar como é que está a qualidade do ensino que está sendo passado para os alunos”, afirma.
Ainda segundo ela, aumentar o número de faculdades não vai resolver. “A gente tem que cuidar dos que já estão, dos que já existem, para melhorar cada vez mais, para poder formar profissionais com excelência”, finaliza.
Critérios de abertura
Existem alguns critérios que regem a abertura para os novos cursos privados de Medicina no Brasil, de acordo com o edital divulgado pelos Ministérios da Educação e da Saúde. As escolas não poderão se instalar em qualquer lugar: apenas em um dos municípios previamente definidos pelo governo.
Os critérios levam em conta as necessidades de mais profissionais de saúde e a estrutura do Sistema Único de Saúde (SUS) de cada região. Com base em um estudo do Ministério da Saúde, foram pré-selecionados 1.719 municípios que fazem parte de regiões com as seguintes características:
Ter média inferior a 2,5 médicos por mil habitantes.
Possuir hospital com pelo menos 80 leitos.
Demonstrar capacidade para abrigar curso de medicina, em termos de disponibilidade de leitos, com pelo menos 60 vagas.
Não ser impactado pelo plano de expansão de cursos de medicina (aumento de vagas e abertura de novos cursos) nas universidades federais.
Conselho Federal de Medicina
Através de nota, o Conselho Federal de Medicina e a Associação Médica Brasileira afirmaram que a recomendação para o funcionamento de cursos de medicina deve atender a três critérios: oferta de, no mínimo, cinco leitos públicos de internação para cada aluno. Acesso de, no máximo, três alunos a cada Equipe de Saúde da Família e presença de hospital de ensino.
Contudo, segundo a entidade, esses parâmetros têm sido ignorados. Dessa forma, 80% das escolas médicas já existentes não cumprem pelo menos um desses três critérios. Ainda, segundo o Conselho Federal, não existem recursos nem infraestrutura suficientes para avaliação adequada das 389 escolas de medicina instaladas no Brasil, muito menos para a expansão ora proposta de 95 novas escolas de medicina.
“Até o momento, não existe avaliação que garanta o controle de qualidade dos 40 mil novos médicos que serão formados a cada ano no país. Sendo assim, não se justifica, sob qualquer pretexto, a abertura de novos cursos e vagas de medicina”, diz o CFM.