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Estados divergem de pontos da reforma tributária e querem negociar mudanças

Embora convidados para acompanhar Haddad na entrega oficial da proposta, representantes dos governadores preferiram não comparecer ao ato para não transmitir a ideia de que os estados estariam validando todo o conteúdo do projeto
Os governadores vão buscar mudanças na tramitação do projeto. Foto: Joédson Alves/Agência Brasil

Os estados apresentaram uma lista de nove pontos da regulamentação da reforma tributária em que não há consenso no projeto de lei complementar apresentado pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), na semana passada, ao Congresso. Os governadores vão buscar mudanças na tramitação do projeto.

O posicionamento foi feito no mesmo horário em que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, entregava o projeto ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), na noite de quarta-feira (24). O movimento, que foi ofuscado no dia do envio do projeto, gerou um mal-estar na área econômica.

Embora convidados para acompanhar Haddad na entrega oficial da proposta a Lira e depois ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), representantes dos governadores preferiram não comparecer ao ato para não transmitir a ideia de que os estados estariam validando todo o conteúdo do projeto.

A nota foi divulgada pelo Comsefaz (Comitê Nacional de Secretários de Fazenda) dos estados e acabou explicitando que há muitos pontos divergentes, contrariando a posição sinalizada por Haddad, de que haveria um grande consenso com os governos regionais em torno do projeto.

O primeiro dos três projetos que o Ministério da Fazenda elaborou para regular a reforma trata das normas de funcionamento do IVA (Imposto sobre Valor Agregado) dual: o IBS, dos estados e municípios, e a CBS, do governo federal.

Para elaborar as propostas, a estratégia do secretário extraordinário de reforma tributária, Bernard Appy, foi montar 19 grupos de trabalho com a participação de representantes dos estados e municípios para que os projetos chegassem redondos ao Congresso.

A atuação dos estados gerou uma saia justa no Ministério da Fazenda, que esperava apoio na reta final após dois meses de trabalho, 330 reuniões para elaborar os projetos e 309 profissionais envolvidos.

Todos os envolvidos assinaram compromisso de confidencialidade para silenciar sobre os temas tratados nos grupos de trabalho. A restrição terminou com o envio do projeto, o que permitiu a divulgação da nota do Comsefaz.

Há entre os técnicos do Ministério da Fazenda uma frustração com o posicionamento dos estados, segundo confirmaram pessoas a par do assunto, na condição de anonimato.

Em tom único, Haddad, Appy e o número 2 na Fazenda, Dario Durigan, tentaram, no entanto, reforçar nos últimos dias que o projeto enviado não era só do governo federal, mas também dos estados e municípios.

Esse ponto é considerado importante para o governo, que não quer abrir brechas nas negociações no Congresso que retardem a votação.

Lira quer votar o projeto na Câmara até o recesso parlamentar, em julho. Mas as divergências apontam que as negociações podem demorar mais.

Como revelou a Folha, há um impasse também em torno do segundo projeto a ser encaminhado ao parlamento e que trata das regras de governança e funcionamento do Comitê Gestor do IBS. Sem acordo, o governo mudou de estratégia e voltou atrás na decisão de entregar os projetos em conjunto. Haddad prometeu enviar o segundo projeto nos próximos dias. Novas reuniões técnicas estão marcadas para esta semana.

Grupos de governadores divididos por regiões participaram de reuniões para acertar os ponteiros em torno dos pleitos. Ao final, listaram os principais pontos em que vão buscar alteração, diz a nota oficial do Comsefaz.

“Ainda que existam outros pontos que, pela brevidade da nota, deixaremos de expor, reiteramos o compromisso em participar ativamente do processo de discussão e construção da regulamentação da reforma tributária, contribuindo com propostas e sugestões que visem a aperfeiçoar o texto em tramitação”, diz a nota.

“Colocamos nessa nota questões que a gente quer discutir dentro do Congresso, que não foram no texto, mas que a gente considera importantes para os estados”, disse o presidente do Comsefaz, Carlos Eduardo Xavier, em entrevista à Folha neste sábado (27).

Segundo Xavier, que é secretário de Fazenda do Rio Grande do Norte, há temas muito sensíveis para os estados. “É legítimo. Temos que ter cuidado porque estamos tratando do nosso principal tributo”, afirmou.

Quando lhe foi perguntado sobre o motivo da ausência na entrega do projeto, o presidente do Consefaz respondeu: “Temos muita convergência, valorizamos muito a aprovação da reforma. Mas ainda há partes do texto que a gente quer discutir. A gente não avaliza o texto integralmente como foi enviado. Tem partes, tem questões que a gente quer discutir dentro do Congresso, de forma democrática”.

Entre as nove principais demandas listadas pelos estados na nota, estão pontos técnicos como o prazo de referência que será utilizado para a repartição proporcional do ICMS, maior autonomia para definir as regras do “cashback”, repartição de informações prestadas pelo sistema financeiro e temas ligados ao Simples, o sistema simplificado de impostos para micro e pequenas empresas.

O diretor institucional do Comsefaz, André Horta, disse que os estados querem manter o fundo de combate à pobreza com algum percentual de cobrança para ter os gastos vinculados a esses recursos. O dinheiro do fundo não é compartilhado com os municípios.

“Não queremos jogar as despesas que existem hoje do fundo de combate à pobreza numa espécie de conta geral. A gente quer que isso fique mantido como fundo de combate à pobreza”, afirmou Horta.

A lista divulgada agora não trata de pontos divergentes que serão objeto do segundo projeto, como a proposta que transforma o Comitê Gestor numa autarquia federal para administrar o IBS, o imposto cobrado pelos estados e municípios e que substituirá os atuais ICMS e ISS.

Há o temor de governadores e prefeitos de perder ainda mais autonomia sobre os seus tributos, caso o comitê fique juridicamente embaixo do guarda-chuva federal.

Pontos sem acordo:

Transição federativa

Definição do período de 2020 a 2027 a ser considerado para cálculo da receita média dos entes, para fins da distribuição dos recursos que garantem a manutenção dos patamares atuais de arrecadação sobre o consumo, em face dos impactos decorrentes da adoção do princípio de destino

Tratamento das compras governamentais

Implementação do consenso entre estados e municípios tomado na discussão federativa, já que impactam a distribuição dos recursos durante a transição federativa

Fundo de combate à pobreza

Fixação de percentual para destinação de parcela da arrecadação do IBS, com a finalidade de garantir a continuidade operacional e financeira desses fundos estaduais

Fundo de ressarcimento de benefícios fiscais

Estados querem segurança jurídica aos contribuintes beneficiários de incentivos fiscais onerosos que tenham sido convalidados

Ressarcimento de créditos acumulados do IBS

Estados dizem que é necessária a distinção entre “créditos acumulados” e “saldos credores”, devendo ser excluídos os saldos credores vinculados aos estoques de mercadorias em giro no estabelecimento, bem como o ressarcimento dos créditos acumulados em razão de exportação devem estar vinculados à comprovação da efetiva exportação

Cashback

O desenho da política na lei complementar precisa compreender a execução dos programas com participação e iniciativas locais, uma vez a importância do conhecimento de diferentes realidades regionais e sociais pelos governos regionais

Prestação de informações por instituições financeiras

Nos moldes do que ocorre hoje em relação à União, os estados querem que a obrigatoriedade e a regularidade no fornecimento dessas informações sejam estendidas aos estados e aos municípios, por intermédio do Comitê Gestor do IBS, assegurando a isonomia hierárquica entre os entes federativos em relação às prerrogativas de investigação e exercício do controle fiscal dos tributos de sua competência

Substituição tributária

Atualmente, essa técnica de tributação responde por aproximadamente 38% da arrecadação estadual sobre o consumo. Para os estados, ela constitui importante instrumento de racionalização da fiscalização e de eficiência na arrecadação tributária, evitando a deslealdade concorrencial fundada em sonegação fiscal. Por essas razões, estados alegam que essa sistemática de tributação deverá ser adotada criteriosamente quanto ao IBS, somente quando verificadas as circunstâncias clássicas que recomendam sua utilização. São elas: a) produtos padronizados, de consumo em massa, com distribuição pulverizada em milhares de pontos de venda; e b) fabricação e/ou importação concentrada em poucos agentes econômicos, a quem será atribuída a responsabilidade pelo recolhimento do imposto devido ao longo de toda a cadeia econômica subsequente

Simples Nacional

Como a tributação ocorre pelo faturamento, os estados alegam que é fundamental o ajuste legislativo para aplicar integralmente o princípio do destino em relação às operações interestaduais promovidas por empresas do Simples, remetendo para o ente federativo onde ocorrer o consumo, o imposto pago nas aquisições feitas por essas empresas.

ADRIANA FERNANDES E IDIANA TOMAZELLI, da Folhapress

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