O amor que Flávio e Augusto têm pelo Círio de Nossa Senhora de Nazaré iniciou ainda na infância; quando, nos meses de outubro, eram levados pelos pais às ruas floridas de Belém.
Hoje, com 62 e 74 anos, respectivamente, os dois somam juntos mais de seis décadas de vida dedicadas à maior procissão cristã Mariana do mundo. Apesar do tempo, o brilho nos olhos pela celebração ainda é o mesmo de quando criança.
Antônio Flávio Pereira Américo, mais conhecido por Flávio Américo, nasceu em 1962, é advogado e participa de atividades do Círio há 25 anos. Atualmente é diretor de marketing da celebração.
“Como todo paraense, meu primeiro contato com o Círio foi ainda criança, levado pelos meus pais, para ‘ver a passagem da Santa’, como se diz por aqui”, narra.
Américo conta que foi batizado e casou na Basílica Santuário de Nossa Senhora de Nazaré, em Belém, e, desde 1994, participa de movimentos, pastorais e serviços na igreja.
“Em 1999 fui convidado para ingressar na Diretoria do Círio e não hesitei em aceitar e dar minha parcela de contribuição na organização dessa grandiosa festa que é o Círio de Nazaré”.
A possibilidade de um “maior crescimento espiritual” foi o que mais o motivou a aceitar o convite, segundo ele. “Posso afirmar sem sombra de dúvidas que todos aqueles que participam têm um salto qualitativo na sua caminhada como cristão”.
Augusto César Vasconcelos, “com a graça de Deus” – exclama ele com gratidão, tem 74 anos. É diretor benemérito no Círio e engenheiro civil, exercendo também, por conta disso, a atividade na diretoria de patrimônio e engenharia.
Apesar de tantas participações na procissão, Augusto ainda guarda de forma especial na memória – e narra com detalhes – as primeiras vezes que participou do Círio em Belém.
“Com a família, na Praça da República, para ver a Santinha passar. Esperávamos o ano todo por aquele momento, e sempre com a família toda. Quando voltávamos para casa, era aquela festa que todos nós, paraenses, tanto conhecemos “, relembra.
O diretor atua no Círio há 34 anos. Iniciou suas atividades em comunidades dentro da igreja. Construiu, como engenheiro responsável e ao lado do arquiteto Milton Monte, o prédio do Centro Social de Nazaré, entre 1987 e 1988.
“Depois que o Centro Social já estava entregue, eu fui convidado, em 1990, a participar do Círio. Na época, o coordenador foi o Valber Monteiro, eu aceitei e foi o meu primeiro Círio”, narra.
Outras lembranças
Flávio e Augusto não compartilham apenas as boas memórias da infância. Perguntados sobre qual foi o momento mais marcante ao longo desses anos de Círio, a resposta foi unânime: o incêndio de 2002.
O incidente que estampou os principais jornais e notícias do Brasil naquela época, também deixou uma marca na vida dos dois paraenses. O que poderia ser narrado como um episódio de terror, é compartilhado pelos diretores como um livramento divino.
“Quando a Berlinda tinha acabado de sair da Catedral, ocorreu um incêndio em um comércio localizado no início da Boulevard Castilhos França. Tivemos que alterar o trajeto, decidindo ir pela João Alfredo. O grande problema seria o calçamento, que certamente danificaria a Berlinda”, relembra Flávio.
Ele explica ainda que a Berlinda, que é um dos principais símbolos da festa, é feita de madeira, “uma verdadeira obra de arte”. O pequeno oratório começou a ser utilizado no Círio a partir de 1882.
Nesse mais de um século, a procissão teve apenas cinco berlindas. A atual, todos os anos, antes da celebração, passa por pequenos reparos. Ela é ornamentada com flores naturais, sendo utilizada no Círio e na trasladação.
Toda sua delicadeza estrutural e o conjunto de flores, junto ao calçamento, não resultaria em um final feliz. Foi isso que fez com que participantes e organizadores ficassem com receio e procurassem alternativas para o percurso, alterado pelo incêndio.
“Foi uma loucura. Justamente na saída do Círio. Nós tivemos que mudar todo o planejamento naquele exato momento. O Círio, a Berlinda, já estava andando, já tinha saído da Sé, quando nós recebemos as informações”, narra Augusto.
Flávio lembra o que aconteceu depois: “Para nossa surpresa, a prefeitura tinha acabado de inaugurar um bondinho e colocado trilhos na João Alfredo. Assim, os rodados da berlinda foram colocados sobre os trilhos e ela deslizou suavemente. A Berlinda seguiu tranquilamente até a Praça Santuário, chegando por volta das 12h”.
“Você imagina a confusão que isso deu, foi um desespero, uma coisa tão grande que a gente não sabia o que fazer, e assim foi feito, porque a gente tem que lembrar que o Círio é conduzido por Deus, e ele é de Nossa Senhora de Nazaré”, complementa Augusto.
Trabalho o ano todo
Apesar de ter seu ápice no segundo domingo do mês de outubro, as atividades em torno do Círio ocorrem o ano todo. Antes e depois, ações e outras celebrações compõem a programação do festejo.
Neste ano, a preparação iniciou no dia 16 de março, com a 1ª Visita da Imagem Peregrina à Região Episcopal, na Paróquia Santa Maria Goretti, em Belém. Já o calendário programático encerra no dia 6 de dezembro, com a posse da Diretoria Círio 2025 e Confraternização Natalina.
“O trabalhar no Círio é muito gratificante e é um trabalho anual. Quando terminamos o trabalho de um ano, praticamente e imediatamente já fazemos as avaliações e iniciamos o trabalho do ano seguinte”, explica Augusto.
Durante um ciclo e outro, a diretoria é recomposta. “Normalmente saem alguns membros e então outros, aqueles que saem, mandam um agradecimento a todos nós e depois é convidada uma outra diretoria”, explica Augusto.
“Todos nós saímos, na realidade, com exceção dos beneméritos, mas todos nós somos convidados e normalmente se troca três, quatro, cinco diretores de acordo com o Estatuto para fazer o Círio seguinte”, complementa o diretor.
Flávio explica que, hoje, a Diretoria conta com 35 casais voluntários, alocados em 8 Diretorias Executivas, cada qual com suas atribuições. Do total, 5 são beneméritos.
“Esse trabalho se intensifica a partir do mês de agosto e, para mim e demais companheiros, é gratificante participar da organização e realização dessa grandiosa festa, tão cara ao povo do Pará”, conta o advogado.
Sobre o Círio e propagação
“A gente ouve muito falar que o Círio é um evento cultural de Belém, um evento da cultura do Pará. Não é só assim, não. O Círio é um evento religioso da arquidiocese de Belém. Uma procissão religiosa. Naturalmente que entram traços culturais”, exclama Augusto sobre a essência da celebração.
O Círio de Belém é considerado a maior procissão religiosa mariana do mundo. O diretor acredita que, com todos os encontros, há uma concentração de mais de 3 milhões de pessoas.
“O dia do Círio é o maior dia. Mas nós temos ainda umas 13 processões, e todas elas reúnem uma multidão de pessoas. É um período de festas, então, hoje em dia, o próprio Círio, só ele, já está indo para 2 milhões e 200 mil pessoas”, contabiliza.
Além da capital do Pará, que ainda em 1653, com os Jesuítas, iniciaram a devoção a Nossa Senhora de Nazaré em Vigia de Nazaré, outros estados – e até países – já realizam o Círio.
“Já fizemos em várias capitais. São Luís foi o primeiro que fomos. São Paulo, Rio de Janeiro, e outras cidades do Brasil que nós fomos levando a imagem de Nossa Senhora Peregrina, e hoje em dia já tem Círios em todos os lugares”, conta o diretor.
Augusto conta que, hoje em dia, já há Círio até em Miami. “Eu participei do primeiro em Miami, que foi no ano passado, em 2023. Esse ano já vai ter o segundo e reúne uma quantidade imensa de paraenses, brasileiros e outras nacionalidades”.
Fé, cultura e também economia. É o que explica Flávio Américo: “É importante para a economia do Estado, pois movimenta todos os setores da economia, injetando mais de 1 bilhão de reais, segundo o DIEESE-PA”, aponta.
“Nos últimos trinta anos, o Círio teve uma projeção ainda maior, não só no Brasil, mas também internacional. Foi reconhecido pelo Instituto do Patrimônio Histórico, Artístico e Nacional em outubro de 2004, como Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro”, completa o diretor de marketing.
Além do reconhecimento citada, a celebração também foi inscrita na Lista Representativa do Patrimônio Cultural da Humanidade da UNESCO, em dezembro de 2013.
Convite
A última pergunta da entrevista foi um pedido. Depois das histórias de infância, uma memória marcante e a importância do Círio para cada um, pedi que os dois deixassem um convite para fiéis que desejam participar da celebração.
Flávio Américo
“Nós que fazemos parte da Diretoria do Círio, cuja atribuição regimental é organizar o realizar o Círio, temos a cada ano a responsabilidade de fazer um Círio sempre mais grandioso que o do ano anterior, isso em todos os aspectos. Então convidamos você a vivenciar esse grande momento de fé e devoção, podendo contar que o Círio 2024, o ducentésimo trigésimo segundo da história, será o maior e mais belo de todos os tempos, tanto no aspecto evangelizador, como das próprias procissões”.
Augusto César
“Eu deixo um convite a todos os brasileiros. Que venham aqui para Belém no segundo domingo de outubro. O segundo domingo de outubro é uma festa, e essa festa começa cedo, às 5h30, 6h, com a nossa missa. Em seguida vem o Círio, que hoje em dia está demorando em torno de quatro horas e meia até chegar aqui na Basílica. É uma festa mariana inesquecível, venham todos. O Círio é tão importante para nós que alguns chamam de natal”.