Uma disputa fundiária envolvendo a empresária cearense Iracema Correia São Tiago pode impactar a configuração territorial do município turístico de Jijoca de Jericoacoara, localizado a cerca de 280 quilômetros de Fortaleza.
A empresária reivindica a posse de áreas que compreendem cerca de 80% da Vila de Jericoacoara, além de uma porção do Parque Nacional. A demanda foi protocolada em julho de 2023 junto ao Instituto do Desenvolvimento Agrário do Ceará (Idace), quando Iracema apresentou a escritura das terras e propôs um acordo conciliatório.
A proposta inicial da empresária era ceder ao Estado as áreas regularizadas até dezembro de 2022, totalizando 55,3 hectares – aproximadamente 62% da extensão da Vila de Jericoacoara. O restante, equivalente a 38%, ficaria sob sua posse.
PGE entra em cena
Contudo, o Idace contrapropôs que toda a área da Vila permanecesse sob administração estatal, uma condição que Iracema rejeitou. O caso então foi remetido à Procuradoria-Geral do Estado do Ceará (PGE-CE) em agosto de 2023, com o objetivo de resguardar os interesses públicos e o patrimônio imobiliário estadual.
No âmbito das novas negociações, a PGE-CE sugeriu que mais de 90% das terras reclamadas pela empresária, que já são ocupadas por moradores ou estabelecimentos, fossem mantidas sob a gestão do Estado. Essa medida visava preservar o comércio e as residências locais.
Conforme esclareceu a PGE-CE, “[A renúncia total por parte do Estado significaria] que inúmeras pessoas que tiveram seus títulos concedidos pelo Idace nos últimos anos, bem como aqueles que ainda estavam na espera da regularização, seriam prejudicados, perdendo seus estabelecimentos e residências.” Na proposta, as áreas registradas no nome do Idace, porém desocupadas, seriam restituídas à empresária.
A PGE-CE também enfatizou que o direito de propriedade, caso reconhecido, não eximiria a empresária de respeitar as normas ambientais e as restrições municipais, além de assegurar a manutenção das vias públicas e dos acessos locais.
Tratativas
Ainda segundo a nota divulgada pela PGE-CE, todas as tratativas foram conduzidas de maneira “transparente e republicana”, com a colaboração de órgãos públicos locais que forneceram informações sobre o contexto regional, sempre com o intuito de proteger os interesses da comunidade e da própria Vila, cuja importância para o turismo e para a economia do Ceará é inquestionável.
No processo de resolução da questão, a PGE-CE esclareceu que não foi cogitada a venda, doação ou qualquer tipo de regularização fundiária das terras por parte do Idace. Na última quarta-feira (16), a Procuradoria se reuniu com representantes da comunidade local para prestar esclarecimentos e se colocou aberta ao diálogo, comprometendo-se a considerar eventuais manifestações conforme os ditames legais.
Direito de posse
O comunicado oficial também destacou que as áreas que integram a vila de Jericoacoara foram arrecadadas pelo Idace em nome do governo estadual, o que ocorre quando não há registro de propriedade formal sobre determinada área. Nesse contexto, o Estado é obrigado a reconhecer o direito de posse de quem comprovar a titularidade anterior à arrecadação.
No caso de Iracema Correia São Tiago, o Idace confirmou o registro pré-existente apresentado por ela, que abrange praticamente toda a Vila. Em 2022, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) já havia notificado o Estado acerca de uma titularidade que também englobaria o Parque Nacional de Jericoacoara. Administrado pelo ICMBio, o Parque possui perímetro de 49.929,4 metros, não incluindo a Vila de Jeri, que se encontra na área urbana do município.