Em meio ao luto e à crise ambulatorial no auge da pandemia de Covid-19, uma invenção cearense inovadora permitiu que o sistema de saúde pudesse, quase que literalmente, respirar. Hoje, o capacete Elmo segue sendo utilizado, aprimorado e, principalmente, reconhecido pelo impacto que causou no tratamento da insuficiência respiratória aguda.
Em mais uma importante conquista, a iniciativa cearense foi eleita como uma das 12 inovações tecnológicas mais relevantes da América Latina. A votação online contou com a participação de médicos e integrou o cronograma de etapas do 2º Prêmio Euro de Inovação na Saúde.
O Elmo venceu em Inovação Tecnológica Aplicada à Saúde. As outras categorias eram: Inovação em Terapias; Inovação em Processos Relacionados à Saúde; e Inovação Social e Sustentabilidade em Saúde. Os vencedores, nas respectivas seções, recebem um recurso de 50 mil euros cada, valor que deve ser investido no desenvolvimento de pesquisas.
Agora, as 12 inovações ganhadoras concorrem à categoria “Iniciativa Destaque”, que também será definida por votação para médicos da América Latina. O prazo para registrar a indicação do projeto escolhido é até o próximo dia 3 de setembro, e ainda não há data de divulgação do resultado. O recurso destinado ao produto vencedor é de 500 mil euros.
Para votar, médicos e médicas devem acessar o site da iniciativa neste link e realizar um cadastro por meio da aba “fazer login”, no canto superior direito da tela. É necessário preencher um formulário com dados como país, estado e número do registro médico.
Inovação genuinamente cearense
O Elmo foi idealizado por uma força-tarefa público-privada em abril de 2020 e, em menos de um ano, foi desenvolvido, testado, patenteado e aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Diferente da temida intubação – procedimento invasivo, delicado e que exige a sedação do paciente – o Elmo é um capacete de respiração assistida que envolve toda a cabeça, fixado no pescoço com uma base que veda a passagem do ar.
Dentro dele, aplica-se um fluxo de gases medicinais com oxigênio e ar comprimido capaz de gerar uma pressão positiva, que ajuda em situações em que o pulmão está com dificuldade de oxigenação. Mais do que tudo, o Elmo se diferenciou por ser não-invasivo, mais seguro e confortável para pacientes, relato que se repete em uníssono entre os que foram tratados com o dispositivo.
Contaminado em outubro de 2020 enquanto cuidava de pacientes com Covid-19, o médico Weiber Xavier se deparou com os papéis invertidos ao perceber que a evolução rápida dos seus sintomas pedia que ele fosse transferido à UTI. “Cheguei com febre e tosse e fui admitido num leito normal, porém evoluí com persistência dos sintomas e o mais difícil: a dificuldade em respirar e o cansaço aos mínimos esforços”, conta.
Primeiro médico no Ceará a receber o tratamento com o Elmo, Weiber relembra a sensação de alívio quando o capacete foi instalado. “A dificuldade em respirar, a falta de ar persistente foi uma das piores sensações que já experimentei. Durante três dias fiquei usando o Elmo, além dos outros suportes de tratamento, o que evitou que fosse entubado e me proporcionou um conforto enorme em respirar. De todas as formas de suporte de oxigênio que recebi, o Elmo foi a que me trouxe mais conforto e alívio”, relembra.
Impacto e coleção de destaques
O capacete Elmo foi desenvolvido graças à união do Governo do Ceará, por meio da Secretaria da Saúde do Estado, ESP/CE e Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap), Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec), Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai/Ceará), Universidade Federal do Ceará (UFC) e Universidade de Fortaleza (Unifor), com o apoio do ISGH e Esmaltec.
Segundo o idealizador do Elmo, o médico pneumologista Marcelo Alcantara, o impacto do dispositivo no sistema de saúde ainda está sendo medido, mas prévias de estudos realizados pela ESP/CE já ajudam a ter uma percepção do que ele chama de um “impacto extraordinário e histórico”.
“No estado do Ceará a gente estima que, pelo número de Elmos que foram distribuídos, mais de 20 mil pessoas talvez tenham usado o capacete. No Brasil, foram distribuídos 11 mil Elmos no total. Como cada capacete pode ser usado até 4 vezes, então pode-se estimar que em torno de 40 mil pessoas podem tê-lo usado. Desses 40 mil, entre 60 e 70% dos usuários devem ter evoluído com melhora, sem necessidade de intubação”, relata.
O médico completa que esse “é um resultado extremamente expressivo, que nunca antes ocorreu na história desse país, com relação a um dispositivo de saúde ter sido usado tão rapidamente e em tão larga escala, e a gente ainda precisa levantar mais dados para ter dimensão desse impacto.”
Apesar disso, muito do efeito que o Elmo teve nas pessoas e no sistema de saúde se traduziu nas homenagens e honrarias recebidas pela equipe desde o surgimento da invenção. Foram reconhecimentos no Ceará, como na Assembleia Legislativa e em diversas Câmaras Municipais; e nacionais também, como o prêmio de melhor case de inovação do Brasil, entregue no 9º Congresso de Inovação da Confederação Nacional da Indústria.
“A principal honraria que recebemos foi a Medalha da Abolição, que recebemos em mãos do nosso governador Camilo Santana. Foi a primeira vez que um projeto de pesquisa foi escolhido para receber essa principal honraria do nosso estado”, pontua Marcelo Alcantara. Além disso, vieram ainda duas publicações completas em periódicos científicos e destaques em congressos nacionais de Medicina.
“Elminho”
Honrarias e premiações como o Prêmio Euro são relevantes para que os projetos relacionados ao Elmo ganhem destaque e tenham continuidade, contribuindo ainda mais no tratamento da insuficiência respiratória. Para além da Covid-19, o capacete pode ser utilizado para síndromes respiratórias hipoxêmicas de leves a moderadas.
Para o médico, esses demais usos demonstram o peso do legado do Elmo. “Isso também tem um impacto muito grande na saúde individual e coletiva, pública, além de servir de modelo de inovação para outros dispositivos de saúde e de inspiração para novos projetos”, completa o idealizador.
A diretora de Inovação e Tecnologias da Escola de Saúde Pública do Ceará (ESP/CE), Alice Pequeno, conta que, atualmente, a equipe do Elmo trabalha em pesquisas para que o dispositivo receba componentes digitais, que vão ajudar na captação de informações sobre o paciente, além do desenvolvimento do Elmo pediátrico, ou como é carinhosamente chamado, “Elminho”.
“A gente está vivendo agora, por exemplo, situações de uma demanda enorme de problemas respiratórios em crianças que poderiam estar sendo tratadas com o capacete Elminho, então esse é um dos projetos que nós pretendemos dar continuidade”, antecipa a gestora.